Mostra
Visual De Poesia Brasileira
Poesia em Movimento – Varal de Poesia
– Múltiplas Poéticas – Sarau Campos VeraCidade –
Dia 25 – junho – 19h
Local: Foyer do Teatro Trianon –
Campos dos Goytacazes-RJ
Coordenação: Artur Gomes
Realização: Fundação Cultural
Jornalista Oswaldo Lima
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Balbúrdia
PoÉtica
numa dessas noites boêmicas
de dois mil e dezenove
em bares ex-tintos da lapa
na cia de sady bianchin fil buc e
marcela giannini
ouvimos do indesejado
que dentro das universidades
federais
era uma tremenda balbúrdia
mal sabia ele que sua fala
chegou aos ouvidos de quem não
cala
imediatamente como uma prova dos
nove
pensamos essa Balbúrdia PoÉtica
a favor da ética
e contra todo aquele que nos
provoca náuseas
neo-nazistas que nos fazem mal
e agora transformado em manifesto
de resistência sócio política
cultural
contra todo e qualquer tipo
de bandidagem oficial
seja ela municipal estadual ou
federal
Artur
Gomes
Vampiro Goytacá
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19 de abril:
Dia de Luta dos povos indígenas
A palavra
“mitologia” tem dois sentidos: 1- conjunto dos mitos produzidos por um povo ( e
não apenas pelo povo grego); 2- estudo dos mitos. Infelizmente, nenhum desses
dois sentidos traduz a experiência originária dos povos que viveram e criaram
os mitos, pois são sentidos teóricos nascidos bem depois daquela experiência
concreta e originária.
Devido
ao desconhecimento dessa experiência originária com o sentido da vida e da
existência , muitos hoje desdenham da mitologia, e consideram que é mais “útil”
ensinar aos jovens “cartilhas” e “tabuadas” que adestrem para aquilo que o
mercado exige.
Assim,
“mitologia” ou “mito” não são bons nomes para designar a experiência originária
que vários povos fizeram, e fazem, para darem sentido à existência pessoal e
coletiva. Em vez de “mitologia” ou “mito”, prefiro empregar o termo
“empoemamento originário”.
É
Manoel de Barros quem ensina que poesia não é só escrever rimas e versos, pois
poesia é, antes de tudo, experiência de empoemamento.
Empoemar-se não é apenas ler versos, empoemar-se
tampouco é somente contemplar o que é “belo”.
“Poesia”
vem de um verbo grego que significa “produção”. Assim, empoemar-se é produzir a
si mesmo agenciado com o outro, com o mundo, com o cosmos. Empoemar-se é o
contrário do anular-se .
Empoemar
é um verbo que se conjuga em todos os tempos, em plurais modos e em todas as pessoas
do singular e do plural. Empoemar-se também é ação clínica, política , ética e
pedagógica.
Sob
essa perspectiva , a experiência originária que gerou os mitos não está apenas
no passado . O sentido de se ler os mitos hoje é para fazer reviver em nós,
aqui e agora, aquela experiência. Não para que repitamos o que Homero e Hesíodo
disseram, mas para que possamos (re)aprender a produzir sentidos que
repotencializem a vida com força regeneradora e criativa.
Não
apenas os gregos fizeram essa experiência com a poesia originária, nossos povos
indígenas também o fizeram e perseverantemente ainda o fazem para se manterem
vivos.
Segundo
Krenak, o poeta da tribo tem o seguinte nome: “pessoa coletiva”. O poeta da
tribo trava batalhas diferentes daquelas que os guerreiros travam; ele exerce
um tipo de poder mais poderoso do que o do cacique; e promove curas ainda mais
necessárias à vida da tribo do que as curas do pajé.
Com
suas narrativas originárias, o poeta da tribo empoema a coletividade e evoca a
força dos ancestrais para que as florestas de Pindorama resistam de pé plenas
de vida . Com sua palavra geradora , o poeta da tribo age para adiar o fim do
mundo...
Até
fascistas às vezes são chamados de “mito”... Porém é sempre libertária a
experiência originária que empoema a existência e a fortalece frente a tudo
aquilo que , ontem e hoje, a põe sob risco.
“A literatura é o esforço para interpretar
engenhosamente os mitos
que não mais se compreende, por não sabermos
mais sonhá-los ou produzi-los.”(Deleuze)
mulher
meu poema
se completa
em seu vestido
roçando sua carne
no algodão
tecido
Artur
Gomes
Suor & Cio
MVPB Edições 1985
imagem: Jiddu Saldanha
– apareceu a margarida
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A Vida é as vacas
Que você coloca no rio
Para atrair as piranhas
Enquanto a boiada passa
contranarciso
em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro
que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
Paulo Leminski
ou tudo será posto de ladoe na procura da vida
a morte virá na frente
e abrirá caminhos.
É preciso que haja algum respeito,
ao menos um esboço
ou a dignidade humana se afirmará
a machadadas.
Torquato Neto
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tempero
é preciso socar certas palavras
com sal pimenta & alho
para dar o gosto
o ardido
que se traz na boca
é tempero mal cuidado
é preciso cortar o mofo
das ações de certas palavras
para quando for poema
ter ação presente
penetrar a carne
e ter sabor de gente
Artur
Gomes
Suor & Cio
MVPB Edições – 1985
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Palavras
ao vento
No artifício do fazer poético, a dúvida
invadiu-me o pensamento:
O que serão as palavras?
Inquiri, eu, ao Tempo, sem alarde.
Foi o Vento, qaue mo respondeu, sibilante e frio
que as palavras “são difusas, posto que nem sempre
são claras, vezes furtivas, como assombração.
Muitas vezes, e eu as levo pelo ar.
Não satisfeito, continuei a perguntar:
Como se formam, as frases poéticas?
Veio a Tarde, dizer que “se vão formar de pedras
vaporosas, e raras, ou nobres e caras
como um segredo, com fulgor de revelação
para toda a humanidade.
Ou então, são como seixos pobres
apenas falas, sem nada para revelar, gritos dementes”.
Surge a Musa, moça prendada, e já, há tanto
acostumada nas artes do versejar.
Vem saída d’um canto de alcova
onde, tranquila, costurava
para assim falar:
“Parecem com pedras/caladas (as palavras)
atiradas por um menino, e, que, zunindo
por sobre o lago, duas, três, até, quatro vezes
vão formar os conceitos, para explicar
mas logo se afundam, desistentes”.
Isto dito, tornou ao leito, a Musa
quando, logo, de um lado
chega o Guardador de Rebanhos, pessoano
passando rente, com o seu jeito labrego
de olhar sempre o passado
como se olhasse para frente:
“Os sentidos que as palavras trazem
se esconde no oco das nuvens
que passam, e, a poesia, então
e por isso, não se a pode decifrar.
São esfinges, inapreensíveis, as palavras
envoltas nestas nuvens moveis
do céu, tão airosas.
Não são como verdades
dispostas sobre o lajedo da memória.
Etéreos, mesmo os versos mais belos e irretocáveis
e as mais belas prosas.
Disse, então, o Mineiro, com as mãos maceradas
de revelar as riquezas do chão:
“O oficio do poeta, lembra o eito
de encontrar a pedra certa.
Certas palavras, escolhas, são como brilhantes.
Se escondem nas entranhas
e, depois de desencavados
põe-se à serventia de mulheres lenientes
para quem, deve o amor, produzir tais provas.
Não só as palavras, são tais pedras
mas, também, os afetos bateados no intimo
prenhes de beleza, em lavras novas”.
Neste congresso sobre a poesia
convoquei, onisciente, uma voz qu´inda faltava
a do hirto pescador, silente:
“Vejo-as (as palavras), como, quando na praia
volta o arrastão, juntando o esforço e a dor
crianças à flor d'areia, desenhando palavras e peixes.
A cena se parece, a um vivido jogo de armar.
Entendo que é poesia, este jogo”.
No remanso do poente, há os que não resistem
ao ninar praieiro do mar.
Mas, “Em verdade vos digo”
vociferou a Voz Divina, em tom de justa sentença:
“Palavras não fazem o sentido, que lhes quer atribuir
as humana e vernacular ciência. São recitadas nas rezas
dispostas em um mosaico bizantino, no adro solene
e nas paredes, das altíssimas igrejas
ou, estão a voar no cantochão de hinos piedosos
no entardecer da alma, no lamento continuo
ao repicar dos sinos.
Talvez, se nos façam, escuta-las”.
Ao longe, em um caminhar, agora, mudo e deambulante
pode-se pensar nas falas, dos que habitam os poemas
eterno retorno, ausente, as palavras, os poemas
(também, o olhar), são mesmo, pouco para redimir
ou sonegar a tristeza, perdida, em tantos ais.
A morte, que se impõe, na matéria solidão.
A mente, em vigília sem fim, palavras em repetição.
Entes, que vem do passado e do inconsciente
para demarcar e construir, o tempo presente
no tardio eco da indefinição.
Ricardo
S. Reis
ou a gente se raoni
profissão
meu ofício
é de poeta
pra rimar
poema e blusa
e ficar em tua pele
pelo tempo em que me usa
Artur Gomes
Suor & Cio
MVPB Edições – 1985
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Querubim da Goiabeira
amo papa goiaba
meu cio sempre desaba
no encanto dessa fruta
mas não trepo
deste a última sexta feira
santa
me entupi de fanta
na sacristia do devasso
e dormi no samba de páscoa
no terreirão do olivácio
perdi minha carteira de freira
na identidade agora é bruta
Rúbia Querubim
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ANJO
ERRANTE
Dir-te-ei. Sou o anjo errante
O que, nos vales da vida, vaguea
Arrastando a sua mesma sombra
Ao sabor de outras sombras, alheias.
Com as mesmas asas dobradas
Braços em cruz, peito arfante
Sigo, pela noite, anjo insone
Incapaz de prover um milagre.
Ido de pouso em pouso
Delirante, maldito e exposto
À luz de uma lua sombria
Tonto, eternamente execrado.
Das hordas celestiais, meu nome
Que, não se fala, já foi defenestrado.
Se o Deus, que me sentenciou a estar
Assim, exilado, estiver, por certo, ocupado
Quiçá, eu não te convido, a desfrutares comigo
Deste encontro inusitado?
Imposto, me foi, não ter um amor
Que seja, condenado a viver sozinho.
Nem sequer, me permitem
Encontrar para o corpo, o repouso.
Portanto, se quiserdes cear, amiga
Sentemo-nos no prado verde
Pois ainda tenho. um naco de pão
Duas maçãs, tão cheirosas, uma botija de vinho
E, de ancestral, tenho esta sede.
Ricardo
S. Reis
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carnavalizando
tropicaetanamente
meus versos uilconianos
em carnaval pela cidade
vão ficar durante o ano
desbundando a troup-sex
e a mulatinha andradiana
com bundinha a caetano
despe a gil bertinidade
no patamar do meu triplex
Artur
Gomes
Suor & Cio
MVPB Edições - 1985
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como uma gata no cio
felina pronta para o coito
já fiz sessenta e nove
em mil novecentos e sessenta e oito
quando penetro
o corpo da palavra virgem
ou a palavra virgem do corpo
sou onça tigresa leoa
o ego jogo no
lixo
me dispo das roupas humanas
me visto com pele
de bicho
Cristina
Bezerra
como um pássaro
atravesso o céu
faminto
minha gana não tem preço
sou
travesso
não
minto
eu procuro um endereço
*
Poética
48
Jards Macalé
exorciza o Mal Secreto
cheirando As Flores do Mal
no Mirante do Leblon
“com caco de telha com caco de vidro
eu choro tanto escondo e não digo
viro farrapo tento suicídio”
é poesia Luís Melodia
voando na contra mão
teu canto um Vapor Barato
let´s play that baby
na poética do Torquato e do Wally Salomão
“já comi muito da farinha do desprezo.
não, não me diga mais que é cedo
quanto tempo amor, quanto tempo tava pronta,
que tava pronta da farinha do despejo.
me jogue fora que na água do balde eu vou m'embora.
Só vou comer agora da farinha do desejo,
Alimentar minha fome pra que eu nunca me esqueça,
como é forte o gosto da farinha do desprezo,
só vou comer agora da farinha do desejo
alimentar minha fome pra que eu nunca me esqueça”
Artur
Gomes
https://www.youtube.com/watch?
v=YKZ3tgYdPd0
A ambiência rural, com o que
há nela de mítico, de arcaico, de arquetípico, sempre foi uma das fontes mais
fecundas da literatura brasileira, dando origem, inclusive, aos seus dois
maiores monumentos, Os sertões e o Grande sertão: veredas. Esse rico manancial
sempre se manifestou, no entanto, preferencialmente na prosa, ainda que com
alguns altíssimos momentos na nossa poesia. Os admiráveis poemas de Viração, de
Fabrício Oliveira, surgem como mais um rebento surpreendente desse tronco
prestigioso, no seu caso em estreita e comovida fusão com uma vertente
memorialística. Neles encontramos aquela espécie de necessidade de existir que
caracteriza toda a arte autêntica. Com a ajuda da força encantatória que o
vocabulário regional lhe outorga, o autor devolve a voz a seus mortos, à sua
infância, a personagens numerosos e irrecuperáveis, e ao rude cenário que os
congrega. Tal cenário do interior baiano — visceralmente brasileiro, e ao mesmo
tempo cósmico — se avizinha da aldeia de Alberto Caeiro e da cidadezinha
imaginária de Edgar Lee Masters, pois os mesmos dias e as mesmas noites se
revezam sobre todos eles.
Alexei Bueno
Conheça 5 poemas do
livro Viração, de Fabrício Oliveira
VIRAÇÃO
Levanto no massapê montículos
vermelhos.
Mãos nodosas me abrem candeias
de cambito e amêndoas
de cartucho, burilam
as folhas com cabo de quenga
de coco,
furtam lascas de angico
molhado.
Oxóssi dorme num jirau de
varas.
A poesia nasce
na porteira da Baraúna
feito borregos
que, nascendo,
sitiam com os olhos a Várzea
Velha
ao se cobrir de fogo.
A poesia nasce
quando estas mãos arrancam
imburanas,
sementes de mucunã
para lavarem gengivas
que sangram herpes.
Meninos mastigam andrajos,
baronesas
sentados numa ribanceira de
caroás
sob nuvens que se abrem
em garças.
O homem atrás do gibão e da
faca
atravessa, correndo, a
borrasca
sangrando sílabas
nos esteios de aroeira.
A poesia é vasta, e o pasto,
breve.
A poesia desabrocha
como aquela fria lua
que atravessa a madrugada.
E o tique-taque da chuva
desmancha na cabeceira do rio
murundus vermelhos
onde, com uma haste de
alecrim,
reescrevo o cheiro da
infância
correndo nos milharais da
Viração,
bonecando.
***
TRAVESSIA
Tresloucado, sangro pedras
para além do pórtico
do corpo
de ogum regressado
há pouco
duma oferenda na mata.
Há uma réstia de brisa
que acaricia minha face.
***
MOINHO DE SOMBRAS
Desemboco num moinho de
sombras,
vozes. Entre almas desossadas
avisto um mirante, um atabaque
e um rosto corroído pelo sol.
Ao longe, pardais cingem seus
sonhos
no tronco das árvores
queimadas.
Ante a música dos pardais sem
asas
reescrevo o mundo num curral
de ossos.
Vozes arenosas soletram nomes,
e o orvalho umedece minha tez
nesta ilha de almas – viração
onde a paisagem é um grito
lancinante,
onde a paisagem é a respiração
de pássaros que repousam em
meus ombros.
***
TAMBOR
Peixeiras anfíbias fazem
reformas
em minha carne,
gradeiam minhas têmporas,
loteiam minhas vísceras.
Minha voz é um tambor, uma
ópera
de açoites, um degredo
– e quanto mais me matam,
mais ainda
anoiteço.
***
MÚSICA INTERMINÁVEL
Minha voz, música interminável
do mundo,
cresce com as cores da
paisagem.
Um relógio goteja poeira,
barulhos.
Mas em minha casa não há
relógio,
não há paredes,
há apenas este homem vesgo
cheirando a crustáceos
e um velho sabiá recitando meu
nome
num descampado de sombras
onde facas febris gargalham
no espelho quebrado.
FABRÍCIO OLIVEIRA
Fabrício Oliveira é poeta e autor do livro de poesia Gramática das Pedras (Editora
Patuá, 2020). Nasceu em Santo Estêvão, no interior da Bahia, em 21 de maio de
1996. É licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual de Feira de
Santana e mestrando em Estudos Literários pela mesma instituição.
Fonte:
https://www.editorapatua.com.br/produto/261727/viracao-de-fabricio-oliveira?fbclid=IwAR0bSc4bLL-c9RgyRivE4Gqa1mCxAfBLjy8cwqm3oOnzcMt6Yhh8pI36Wfc
Coreografia
dos ossos
eu não estava lá
ainda assim a dança acontecia
batida na ponta azul do pátio
eu não estava
e adiava-me na dança
não estava
e os nós dos dedos guardavam
gritos e cabelos
choravam flores em meu corpo
esse corpo
cadáver delicado quase
sabia o abraço quando
o azul na madeira
gritava a dança dos ossos dos dedos
o anel que eu me deste
foi promessa quebrada
em oceanos impossíveis
onde você era a certeza esfarelada
o anel guardava o azul
da porta
da noite
habitada no pátio onde
estou onde estivera
a porta azul do pátio
se debate nos nós dos dedos
cantando percussivamente
adeus.
Diogo
Cardoso
Do livro Sem Lugar
A Voz
Editorial – 2016
Cuidado,
eles chegaram
(Luis Mendes)
Caiporas, Curupiras e botos,
cuidado!
Os milicianos chegaram.
Iaras, Sacis e Jacis
cuidado!
Os garimpeiros chegaram.
Uirapurus, Harpias e onças
cuidado!
Os madeireiros chegaram.
Oxossis, Tupãs e caboclos
Cuidado!
Os homens de bem chegaram.
Indianistas, pesquisadores e ambientalistas
cuidado!
Os assassinos chegaram.
Yanomanis, Guaranis e Kaiowá cuidado!
A civilização chegou.
Negros, mulheres e gays
cuidado!
A fogueira santa chegou.
Brasil, meu Brasil brasileiro
que pena!
Eles passaram.
Luis Mendes é autor do livro Conversa
de Encruzilhada
DA TERRA
Depois de tudo,
um esforço vão
no destempero de viver
aos avessos?
Não creio.
Há de haver algum outro meio
de se viver sem solavancos,
de apartar minhas estacas,
de segurar a alma intacta.
E o meu medo da terra
caída sobre o dorso
do que antes fora
minha vida?
Não creio
que do pó vindo
volverei ao pó dos findos.
Algo há que me fazer refeita,
'inda que de mim desfeita
sobre um sopro voejando ao largo
n'outros vastos
algures mais amplos
infindáveis relâmpagos
sem me perder
de mim solidão rendida.
Que a terra não me faça promessas
nunca cumpridas,
antes me guarde intacta
na semente outra vez parida.
Nic Cardeal/2018
De tanto te pensar,
Sem Nome, me veio a ilusão,
A mesma ilusão
Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.
De te pensar me deito nas aguadas
E acredito luzir e estar atada
Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.
De te sonhar, Sem Nome, tenho nada
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e de abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus cimos. De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.
Do muito desejar altura e eternidade
Me vem a fantasia de que Existo e Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua n’água.
– Hilda
Hilst, no livro “Sobre a tua grande face”. São Paulo: Massao Ohno, 1986.
jura secreta 41
eu sou o outro
que habita
dentro do meu outro Eu
não a casca da capsula da carcaça
aqui de fora
o que se vê no espelho
é só miragem
Narciso mergulhado
à própria sombra
o cavalo na folhagem
esse sim é o que se vê na tela
quando a câmera revela
o concreto da outra pessoa que não sou
*
pele grafia
meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
tempero sabre de fogo
na tua língua com coentro
qualquer paixão re/invento
o corpo/mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia
hipotemusa 10
quando alvoroçar os teus
cabelos
quero outras coisas
alvoroçadas
poros pelos entradas
maria padilha
pomba gira cigana
presente na trilha de
qualquer caçador
Beatriz sua filha de santo
foi quem vi no espelho
da minha mesa de Búzios
quando joguei pra Xangô
Artur Gomes
Do livro Juras Secretas – 2018