quinta-feira, 2 de maio de 2024

múltiplas poéticas

 LIAME.                  

 

Nem tudo que te

afronta o corpo

e a alma, um aperto, amiúde, ou

algo que excede,      te onera      entorpece a saúde,    é ruim.                   

O que não te exige atitude, esquece.      

As vezes é só deixar-se ao alívio

da dor, que se proclama como          algo que te faz

sentir, de estar vivo, a urgência.

Há dores que vem para o bem, e te salvam de você mesmo

na pradaria,

no deserto

quando, da vida

quase extinguida

é o liame da ressurgência.

 

Ricardo S. Reis

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Querubim da Goiabeira

 

amo papa goiaba

meu cio sempre desaba

no encanto dessa fruta

mas não trepo

deste a última sexta feira

santa

me entupi de fanta

na sacristia do devasso

e dormi  no samba de páscoa

no terreirão do olivácio

perdi minha carteira de freira

na identidade agora é bruta

 

Rúbia Querubim

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Tchello d´Barros

 entrevista Artur Gomes

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Artur Gomes é poeta, ator, videomaker, produtor cultural –

Toda sua criação em prol de uma Arte Libertária desagua no projeto Balbúrdia PoÉtica, criado por ele em 2019

*

Criador do Sarau Campos VeraCidade, realizado pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazes – onde exerce no momento a função de Coordenador de Cultura

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a traição das metáforas

eu já havia terminado de ler a trilogia no coração dos boatos de uilcon pereira composta pelos livros nonada outra inquisição e implosão do confessionário e desconfio que macunaíma tenha passado por ali travestido de biúte o andarilho dos telhados noturnos de assombradado e possivelmente também serafim ponte grande quando se cansava de lalá e ia se refugiar entre os seios de federika e por puro ciúme e desespero clarice se transformava em beatriz como metamorfose de borboleta na hora do nascimento da lagarta


  
torquato era um poeta

que amou a ana

leminski profeta que amou alice

um dia pós veio uilcon torto

pegou a jóia diana

juntou na pereiralice

com o corpo e alma das duas

foi bovoir assombradado

pra lá de frança bahia

pois tudo que sartre dizia

o roendo o osso do mito

o anjo jurou já ter dito  

nonada

- Biúte ria 

  

Artur Gomes

Vampiro Goytacá

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BAIAFRO

 

essa áfrica nos meus olhos

e navegar é minha sina

em toda febre todo fogo

que incendeia o continente

nos teus olhos de menina

eu sou um poeta

e nunca fui a china

mas vermelho é o meu sangue

desde que nasci

 

Artur Gomes

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segunda-feira, 29 de abril de 2024

múltiplas poéticas

 

Mostra Visual De Poesia Brasileira

Poesia em Movimento – Varal de Poesia – Múltiplas Poéticas – Sarau Campos VeraCidade –

Dia 25 – junho – 19h

Local: Foyer do Teatro Trianon – Campos dos Goytacazes-RJ

Coordenação: Artur Gomes

Realização: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima

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Balbúrdia PoÉtica

 

numa dessas noites boêmicas

de dois mil e dezenove

em bares ex-tintos da lapa

na cia de sady bianchin fil buc e marcela giannini

ouvimos do indesejado

que dentro das universidades federais

era uma tremenda balbúrdia

mal sabia ele que sua fala

chegou aos ouvidos de quem não cala

imediatamente como uma prova dos nove

pensamos essa Balbúrdia PoÉtica

a favor da ética

e contra todo aquele que nos provoca náuseas

neo-nazistas que nos fazem mal

e agora transformado  em manifesto

de resistência sócio política cultural

contra todo e qualquer tipo

de bandidagem oficial

seja ela municipal estadual ou federal

 

Artur Gomes

Vampiro Goytacá

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19 de abril: Dia de Luta dos povos indígenas

A palavra “mitologia” tem dois sentidos: 1- conjunto dos mitos produzidos por um povo ( e não apenas pelo povo grego); 2- estudo dos mitos. Infelizmente, nenhum desses dois sentidos traduz a experiência originária dos povos que viveram e criaram os mitos, pois são sentidos teóricos nascidos bem depois daquela experiência concreta e originária.

Devido ao desconhecimento dessa experiência originária com o sentido da vida e da existência , muitos hoje desdenham da mitologia, e consideram que é mais “útil” ensinar aos jovens “cartilhas” e “tabuadas” que adestrem para aquilo que o mercado exige.

Assim, “mitologia” ou “mito” não são bons nomes para designar a experiência originária que vários povos fizeram, e fazem, para darem sentido à existência pessoal e coletiva. Em vez de “mitologia” ou “mito”, prefiro empregar o termo “empoemamento originário”.

É Manoel de Barros quem ensina que poesia não é só escrever rimas e versos, pois poesia é, antes de tudo, experiência de empoemamento.
Empoemar-se não é apenas ler versos, empoemar-se tampouco é somente contemplar o que é “belo”.

“Poesia” vem de um verbo grego que significa “produção”. Assim, empoemar-se é produzir a si mesmo agenciado com o outro, com o mundo, com o cosmos. Empoemar-se é o contrário do anular-se .

Empoemar é um verbo que se conjuga em todos os tempos, em plurais modos e em todas as pessoas do singular e do plural. Empoemar-se também é ação clínica, política , ética e pedagógica.

Sob essa perspectiva , a experiência originária que gerou os mitos não está apenas no passado . O sentido de se ler os mitos hoje é para fazer reviver em nós, aqui e agora, aquela experiência. Não para que repitamos o que Homero e Hesíodo disseram, mas para que possamos (re)aprender a produzir sentidos que repotencializem a vida com força regeneradora e criativa.

Não apenas os gregos fizeram essa experiência com a poesia originária, nossos povos indígenas também o fizeram e perseverantemente ainda o fazem para se manterem vivos.

Segundo Krenak, o poeta da tribo tem o seguinte nome: “pessoa coletiva”. O poeta da tribo trava batalhas diferentes daquelas que os guerreiros travam; ele exerce um tipo de poder mais poderoso do que o do cacique; e promove curas ainda mais necessárias à vida da tribo do que as curas do pajé.

Com suas narrativas originárias, o poeta da tribo empoema a coletividade e evoca a força dos ancestrais para que as florestas de Pindorama resistam de pé plenas de vida . Com sua palavra geradora , o poeta da tribo age para adiar o fim do mundo...

Até fascistas às vezes são chamados de “mito”... Porém é sempre libertária a experiência originária que empoema a existência e a fortalece frente a tudo aquilo que , ontem e hoje, a põe sob risco.

“A literatura é o esforço para interpretar engenhosamente os mitos
que não mais se compreende, por não sabermos mais sonhá-los ou produzi-los.”(Deleuze)



mulher

 

meu poema

se completa

em seu vestido

roçando sua carne

no algodão

                   tecido 

 

Artur Gomes

Suor & Cio

MVPB Edições 1985

imagem: Jiddu Saldanha – apareceu a margarida

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A Vida é as vacas

Que você coloca no rio

Para atrair as piranhas

Enquanto a  boiada passa


contranarciso

 

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

 

o outro
que há em mim
é você
você
e você

 

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós

 

               Paulo Leminski


 ou tudo será posto de lado

e na procura da vida
a morte virá na frente
e abrirá caminhos.

É preciso que haja algum respeito,
ao menos um esboço
ou a dignidade humana se afirmará
a machadadas.


Torquato Neto

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tempero

 

é preciso socar certas palavras

com sal pimenta & alho

para dar o gosto

o ardido

que se traz na boca

é tempero mal cuidado

 

é preciso cortar o mofo

das ações de certas palavras

para quando for poema

ter ação presente

penetrar a carne

e ter sabor de gente

 

Artur Gomes

Suor & Cio

MVPB Edições – 1985

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 Palavras ao vento

 

No artifício do fazer poético, a dúvida

invadiu-me o pensamento:

O que serão as palavras?

Inquiri, eu, ao Tempo, sem alarde.

 

Foi o Vento, qaue mo respondeu, sibilante e frio

que as palavras “são difusas, posto que nem sempre

são claras, vezes furtivas, como assombração.

Muitas vezes, e eu as levo pelo ar.

 

Não satisfeito, continuei a perguntar:

Como se formam, as frases poéticas?

Veio a Tarde, dizer que “se vão formar de pedras

vaporosas, e raras, ou nobres e caras

como um segredo, com fulgor de revelação

para toda a humanidade.  Ou então, são como seixos pobres

apenas falas, sem nada para revelar, gritos dementes”.

 

Surge a Musa, moça prendada, e já, há tanto

acostumada nas artes do versejar.

Vem saída d’um canto de alcova

onde, tranquila, costurava

para assim falar: 

“Parecem com pedras/caladas (as palavras)

atiradas por um menino, e, que, zunindo

por sobre o lago, duas, três, até, quatro vezes

vão formar os conceitos, para explicar

mas logo se afundam, desistentes”.

Isto dito, tornou ao leito, a Musa

quando, logo, de um lado

chega o Guardador de Rebanhos, pessoano

passando rente, com o seu jeito labrego

de olhar sempre o passado

como se olhasse para frente:

“Os sentidos que as palavras trazem

se esconde no oco das nuvens

que passam, e, a poesia, então

e por isso, não se a pode decifrar.

São esfinges, inapreensíveis, as palavras

envoltas nestas nuvens moveis

do céu, tão airosas.  Não são como verdades

dispostas sobre o lajedo da memória.

Etéreos, mesmo os versos mais belos e irretocáveis

e as mais belas prosas.

 

Disse, então, o Mineiro, com as mãos maceradas

de revelar as riquezas do chão:

“O oficio do poeta, lembra o eito

de encontrar a pedra certa.

Certas palavras, escolhas, são como brilhantes.

Se escondem nas entranhas

e, depois de desencavados

põe-se à serventia de mulheres lenientes

para quem, deve o amor, produzir tais provas.

Não só as palavras, são tais pedras

mas, também, os afetos bateados no intimo

prenhes de beleza, em lavras novas”.

 

Neste congresso sobre a poesia

convoquei, onisciente, uma voz qu´inda faltava

a do hirto pescador, silente:

“Vejo-as (as palavras), como, quando na praia

volta o arrastão, juntando o esforço e a dor

crianças à flor d'areia, desenhando palavras e peixes.

A cena se parece, a um vivido jogo de armar.

Entendo que é poesia, este jogo”.

 

No remanso do poente, há os que não resistem

ao ninar praieiro do mar.  Mas, “Em verdade vos digo”

vociferou a Voz Divina, em tom de justa sentença:

“Palavras não fazem o sentido, que lhes quer atribuir

as humana e vernacular ciência.  São recitadas nas rezas

dispostas em um mosaico bizantino, no adro solene

e nas paredes, das altíssimas igrejas

ou, estão a voar no cantochão de hinos piedosos

no entardecer da alma, no lamento continuo

ao repicar dos sinos.  Talvez, se nos façam, escuta-las”.

 

Ao longe, em um caminhar, agora, mudo e deambulante

pode-se pensar nas falas, dos que habitam os poemas

eterno retorno, ausente, as palavras, os poemas

(também, o olhar), são mesmo, pouco para redimir

ou sonegar a tristeza, perdida, em tantos ais.

 

A morte, que se impõe, na matéria solidão.

A mente, em vigília sem fim, palavras em repetição.

Entes, que vem do passado e do inconsciente

para demarcar e construir, o tempo presente

no tardio eco da indefinição.

 

Ricardo S. Reis


                   ou a gente se raoni

ou se torna SerAfim

se a gente se sting

mallarmè sobra pra mim

 

Rúbia Querubim  

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                        profissão

meu ofício

é de poeta

pra rimar

poema e blusa

e ficar em tua pele

pelo tempo em que me usa

 

Artur Gomes

Suor & Cio

MVPB Edições – 1985

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Querubim da Goiabeira

 

amo papa goiaba

meu cio sempre desaba

no encanto dessa fruta

mas não trepo

deste a última sexta feira

santa

me entupi de fanta

na sacristia do devasso

e dormi  no samba de páscoa

no terreirão do olivácio

perdi minha carteira de freira

na identidade agora é bruta

 

Rúbia Querubim 

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ANJO ERRANTE

 

Dir-te-ei. Sou o anjo errante

O que, nos vales da vida, vaguea

Arrastando a sua mesma sombra

Ao sabor de outras sombras, alheias.

Com as mesmas asas dobradas

Braços em cruz, peito arfante

Sigo, pela noite, anjo insone

Incapaz de prover um milagre.

Ido de pouso em pouso

Delirante, maldito e exposto

À luz de uma lua sombria

Tonto, eternamente execrado.

Das hordas celestiais, meu nome

Que, não se fala, já foi defenestrado.

Se o Deus, que me sentenciou a estar

Assim, exilado, estiver, por certo, ocupado

Quiçá, eu não te convido, a desfrutares comigo

Deste encontro inusitado?

Imposto, me foi, não ter um amor

Que seja, condenado a viver sozinho.

Nem sequer, me permitem

Encontrar para o corpo, o repouso.

Portanto, se quiserdes cear, amiga

Sentemo-nos no prado verde

Pois ainda tenho. um naco de pão

Duas maçãs, tão cheirosas, uma botija de vinho

E, de ancestral, tenho esta sede.

 

Ricardo S. Reis

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carnavalizando

 

tropicaetanamente

meus versos uilconianos

em carnaval pela cidade

vão ficar durante o ano

desbundando a troup-sex

 

e a mulatinha andradiana

com bundinha a caetano

despe a gil bertinidade

no patamar do meu triplex

 

Artur Gomes

Suor & Cio

MVPB Edições - 1985

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como uma gata no cio

felina pronta para o coito

já fiz sessenta e nove

em mil novecentos e sessenta e oito

 

quando penetro

o corpo da palavra virgem

ou a palavra virgem do corpo

sou onça tigresa leoa

       o ego jogo no lixo

me dispo das roupas humanas

      me visto com pele de bicho

 

Cristina Bezerra


como um pássaro

atravesso o céu

                  faminto

minha gana não tem preço

                  sou travesso

                  não minto

eu procuro um endereço

*

Poética 48 

 

Jards Macalé

exorciza o Mal Secreto

cheirando As Flores do Mal

no Mirante do Leblon

“com caco de telha com caco de vidro

eu choro tanto escondo e não digo

viro farrapo tento suicídio”

é poesia Luís Melodia

voando na contra mão

teu canto um Vapor Barato

let´s play that baby

na poética do Torquato e do Wally Salomão

 

“já comi muito da farinha do desprezo.

não, não me diga mais que é cedo

quanto tempo amor, quanto tempo tava pronta,

que tava pronta da farinha do despejo.

 

me jogue fora que na água do balde eu vou m'embora.

 

Só vou comer agora da farinha do desejo,

Alimentar minha fome pra que eu nunca me esqueça,

como é forte o gosto da farinha do desprezo,

só vou comer agora da farinha do desejo

alimentar minha fome pra que eu nunca me esqueça”

 

Artur Gomes

https://www.youtube.com/watch?

v=YKZ3tgYdPd0



A ambiência rural, com o que há nela de mítico, de arcaico, de arquetípico, sempre foi uma das fontes mais fecundas da literatura brasileira, dando origem, inclusive, aos seus dois maiores monumentos, Os sertões e o Grande sertão: veredas. Esse rico manancial sempre se manifestou, no entanto, preferencialmente na prosa, ainda que com alguns altíssimos momentos na nossa poesia. Os admiráveis poemas de Viração, de Fabrício Oliveira, surgem como mais um rebento surpreendente desse tronco prestigioso, no seu caso em estreita e comovida fusão com uma vertente memorialística. Neles encontramos aquela espécie de necessidade de existir que caracteriza toda a arte autêntica. Com a ajuda da força encantatória que o vocabulário regional lhe outorga, o autor devolve a voz a seus mortos, à sua infância, a personagens numerosos e irrecuperáveis, e ao rude cenário que os congrega. Tal cenário do interior baiano — visceralmente brasileiro, e ao mesmo tempo cósmico — se avizinha da aldeia de Alberto Caeiro e da cidadezinha imaginária de Edgar Lee Masters, pois os mesmos dias e as mesmas noites se revezam sobre todos eles.

 

Alexei Bueno


Conheça 5 poemas do livro Viração, de Fabrício Oliveira


VIRAÇÃO


Levanto no massapê montículos vermelhos. 

Mãos nodosas me abrem candeias

de cambito e amêndoas

de cartucho, burilam

as folhas com cabo de quenga de coco,

furtam lascas de angico molhado.

 

Oxóssi dorme num jirau de varas.

 

A poesia nasce

na porteira da Baraúna

feito borregos

que, nascendo,

sitiam com os olhos a Várzea Velha

ao se cobrir de fogo.

 

A poesia nasce

quando estas mãos arrancam imburanas,

sementes de mucunã

para lavarem gengivas

que sangram herpes.

 

Meninos mastigam andrajos, baronesas

sentados numa ribanceira de caroás

sob nuvens que se abrem

em garças.

 

O homem atrás do gibão e da faca

atravessa, correndo, a borrasca

sangrando sílabas

nos esteios de aroeira.

 

A poesia é vasta, e o pasto, breve.

A poesia desabrocha

como aquela fria lua

que atravessa a madrugada.

E o tique-taque da chuva

desmancha na cabeceira do rio

murundus vermelhos

onde, com uma haste de alecrim,

reescrevo o cheiro da infância

correndo nos milharais da Viração,

bonecando.

 

***

 

TRAVESSIA

 

Tresloucado, sangro pedras

para além do pórtico

do corpo

de ogum regressado

há pouco

duma oferenda na mata.

 

Há uma réstia de brisa

que acaricia minha face.

 

 

 

***

 

MOINHO DE SOMBRAS

 

Desemboco num moinho de sombras,

vozes. Entre almas desossadas

avisto um mirante, um atabaque

e um rosto corroído pelo sol.

 

Ao longe, pardais cingem seus sonhos

no tronco das árvores queimadas.

Ante a música dos pardais sem asas

reescrevo o mundo num curral de ossos.

 

Vozes arenosas soletram nomes,

e o orvalho umedece minha tez

nesta ilha de almas – viração

 

onde a paisagem é um grito lancinante,

onde a paisagem é a respiração

de pássaros que repousam em meus ombros.

 

***

 

TAMBOR

 

Peixeiras anfíbias fazem reformas

em minha carne,

gradeiam minhas têmporas,

loteiam minhas vísceras.

 

Minha voz é um tambor, uma ópera

de açoites, um degredo

– e quanto mais me matam, mais ainda

anoiteço.

 

***

 

MÚSICA INTERMINÁVEL

 

Minha voz, música interminável do mundo,

cresce com as cores da paisagem.

 

Um relógio goteja poeira, barulhos.

Mas em minha casa não há relógio,

não há paredes,

há apenas este homem vesgo

cheirando a crustáceos

e um velho sabiá recitando meu nome

num descampado de sombras

onde facas febris gargalham

no espelho quebrado.

 

FABRÍCIO OLIVEIRA

 

Fabrício Oliveira é poeta e autor do livro de poesia Gramática das Pedras (Editora Patuá, 2020). Nasceu em Santo Estêvão, no interior da Bahia, em 21 de maio de 1996. É licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual de Feira de Santana e mestrando em Estudos Literários pela mesma instituição.

 

Fonte: https://www.editorapatua.com.br/produto/261727/viracao-de-fabricio-oliveira?fbclid=IwAR0bSc4bLL-c9RgyRivE4Gqa1mCxAfBLjy8cwqm3oOnzcMt6Yhh8pI36Wfc


Coreografia dos ossos

 

eu não estava lá

ainda assim a dança acontecia

batida na ponta azul do pátio

 

eu não estava

e adiava-me na dança

 

não estava

e os nós dos dedos guardavam

gritos e cabelos

choravam flores em meu corpo

 

esse corpo

cadáver delicado quase

sabia o abraço quando

o azul na madeira

gritava a dança dos ossos dos dedos

 

o anel que eu me deste

foi promessa quebrada

em oceanos impossíveis

onde você era a certeza esfarelada

 

o anel guardava o azul

da porta

 da noite

 

habitada no pátio onde

estou onde estivera

 

a porta azul do pátio

se debate nos nós dos dedos

cantando percussivamente

 

adeus.

 

Diogo Cardoso

Do livro Sem Lugar

A Voz

Editorial – 2016 


Cuidado, eles chegaram 

(Luis Mendes)

 

Caiporas, Curupiras e botos,

cuidado!

Os milicianos chegaram.

Iaras, Sacis e Jacis

cuidado!

Os garimpeiros chegaram.

Uirapurus, Harpias e onças

cuidado!

Os madeireiros chegaram.

Oxossis, Tupãs e caboclos

Cuidado!

Os homens de bem chegaram.

Indianistas, pesquisadores e ambientalistas cuidado!

Os assassinos chegaram.

Yanomanis, Guaranis e Kaiowá cuidado!

A civilização chegou.

Negros, mulheres e gays

cuidado!

A fogueira santa chegou.

Brasil, meu Brasil brasileiro

que pena!

Eles passaram.

 

Luis Mendes é autor do livro Conversa de Encruzilhada

DA TERRA

 

Depois de tudo,

um esforço vão

no destempero de viver

aos avessos?

Não creio.

Há de haver algum outro meio

de se viver sem solavancos,

de apartar minhas estacas,

de segurar a alma intacta.

E o meu medo da terra

caída sobre o dorso

do que antes fora

minha vida?

Não creio

que do pó vindo

volverei ao pó dos findos.

Algo há que me fazer refeita,

'inda que de mim desfeita

sobre um sopro voejando ao largo

n'outros vastos

algures mais amplos

infindáveis relâmpagos

sem me perder

de mim solidão rendida.

Que a terra não me faça promessas

nunca cumpridas,

antes me guarde intacta

na semente outra vez parida.

 

Nic Cardeal/2018


De tanto te pensar,

Sem Nome, me veio a ilusão,

A mesma ilusão

Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.
De te pensar me deito nas aguadas
E acredito luzir e estar atada
Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.

De te sonhar, Sem Nome, tenho nada
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e de abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus cimos. De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.

Do muito desejar altura e eternidade

Me vem a fantasia de que Existo e Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua n’água.

Hilda Hilst, no livro “Sobre a tua grande face”. São Paulo: Massao Ohno, 1986.

jura secreta 41

 

eu sou o outro

que habita

dentro do meu outro Eu

não a casca da capsula da carcaça

aqui de fora

o que se vê no espelho

é só miragem

Narciso mergulhado

à própria sombra

 

o cavalo na folhagem

esse sim é o que se vê na tela

quando a câmera revela

o concreto da outra pessoa que não sou

*

pele grafia


meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
tempero sabre de fogo
na tua língua com coentro
qualquer paixão re/invento

o corpo/mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia


hipotemusa 10

 

quando alvoroçar os teus cabelos

quero outras coisas alvoroçadas

poros pelos entradas

 

maria padilha

pomba gira cigana

presente na trilha de qualquer caçador

Beatriz sua filha de santo

foi quem vi no espelho

da minha mesa de Búzios

quando joguei pra Xangô

 

Artur Gomes

Do livro Juras Secretas – 2018

múltiplas poéticas

  LIAME.                     Nem tudo que te afronta o corpo e a alma, um aperto, amiúde, ou algo que excede,      te onera      ent...